Ampliar transferência de renda seria mais eficaz que impor teto do ICMS

Não faz sentido gastar dezenas de bilhões de reais na desoneração de combustíveis em um país em que há mais de 30 milhões de pessoas passando fome e quase 700 mil famílias na fila do Auxílio Brasil
Bernard Appy*, O Estado de S.Paulo

21 de junho de 2022 | 04h00

A enxurrada de medidas voltadas a reduzir a tributação de combustíveis é uma aula de como políticas públicas podem ser mal desenhadas. É compreensível que haja uma preocupação com a alta dos preços dos combustíveis, mas as medidas adotadas para tratar do tema têm sérios problemas, como se explica a seguir.

O primeiro problema é que algumas mudanças são estruturais e têm custo extremamente elevado, o que é uma péssima forma de tratar de problemas conjunturais

Esse é o caso da definição de combustíveis, energia elétrica e comunicações como essenciais para fins de cobrança de ICMS (limitando a alíquota do imposto), que deve custar cerca de R$ 70 bilhões por ano. Com esse valor seria possível implementar políticas com impacto social e econômico muito positivo, ao contrário da desoneração proposta, que não tem impacto nenhum sobre o crescimento e beneficia, sobretudo, as famílias de maior renda.

O Supremo Tribunal Federal (STF) é parcialmente responsável por essa medida, pois estabeleceu que energia elétrica e comunicações (mas não combustíveis) seriam essenciais para fins de cobrança de ICMS, modulando a entrada em vigor da mudança para 2024.

Trata-se de uma visão equivocada do que é essencialidade, pois se faz sentido subvencionar o consumo básico de energia elétrica de uma família de baixa renda, não faz qualquer sentido desonerar o consumo excessivo de eletricidade ou de combustíveis por pessoas abastadas.

Mesmo as medidas temporárias – como a desoneração completa de PIS/Cofins de todos os combustíveis até o fim do ano – são problemáticas.

Por um lado, deixa-se uma enorme bomba fiscal para o próximo presidente. Por outro lado, e principalmente, não faz sentido gastar dezenas de bilhões de reais na desoneração de combustíveis em um país em que há mais de 30 milhões de pessoas passando fome e quase 700 mil famílias na fila do Auxílio Brasil. Se o foco é compensar o impacto da alta dos preços sobre o poder de compra das famílias, seria muito melhor ampliar a transferência de renda para os mais pobres.

Para piorar, a fúria legiferante do Congresso Nacional sobre o tema está levando à aprovação de textos incongruentes entre si, que certamente levarão à judicialização e gerarão insegurança sobre a forma como deverão ser recolhidos os tributos sobre combustíveis, além de dificultar uma política racional de desestímulo ao consumo de combustíveis fósseis.

O custo para a sociedade da redução eleitoreira do preço dos combustíveis está ficando muito alto.


Fonte: Estadão

Traduzir »