Minirreforma tributária: momento para a discussão deste tema é o pior possível
Se o objetivo é tributar pessoas de altíssima renda, é fundamental que a mudança no IR reduza a possibilidade de diferimento na tributação, via fundo fechados e offshores – o que não parece estar no escopo da “minirreforma”
Bernard Appy*, O Estado de S.Paulo
07 de junho de 2022 | 04h00
Períodos eleitorais e governos enfraquecidos são uma combinação explosiva para as finanças públicas e para a qualidade das instituições. As últimas semanas mostram como propostas mal pensadas e com consequências danosas para o futuro podem prosperar, seja via criação de novas despesas rígidas, seja através de mudanças mal desenhadas na tributação, como é o caso da limitação da alíquota do ICMS para combustíveis, energia elétrica e telecomunicações (tema de meu último artigo).
Segundo a imprensa, o governo e o Congresso estão negociando também uma “minirreforma” do Imposto de Renda (IR). Pelo que tem sido divulgado, a proposta é aprovar uma versão desidratada do projeto, muito ruim, já aprovado pela Câmara dos Deputados, que está parado no Senado, o Projeto de Lei (PL) 2.337/2021. As mudanças contemplariam a correção da tabela do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) e a redução da alíquota incidente sobre o lucro nas empresas, de 34% para 30%, acompanhada da instituição de um imposto retido na fonte, à alíquota de 10%, na distribuição de dividendos.
Mudanças no Imposto de Renda são necessárias – para corrigir falhas que resultam na baixa tributação de parcela relevante dos brasileiros de alta renda –, mas, se forem mal desenhadas, podem resultar na ampliação dos problemas que pretendem resolver.
Isso acontecerá, por exemplo, se for mantida a previsão do PL 2.337/2021 de isenção na distribuição de dividendos por empresas com faturamento de até R$ 4,8 milhões por ano. O resultado será o agravamento de uma das principais distorções de nosso sistema atual, que é a baixa tributação de profissionais de alta renda que atuam como sócios de empresas dos regimes simplificados, além de um forte estímulo à fragmentação artificial de empresas.
De modo semelhante, a tributação na distribuição de lucros auferidos antes da mudança no sistema (também prevista no PL 2.337/2021) certamente gerará um grande contencioso tributário.
Por fim, se o objetivo é tributar pessoas de altíssima renda, é fundamental que a mudança no IR reduza a possibilidade de diferimento na tributação, via fundo fechados e offshores – o que não parece estar no escopo da “minirreforma”.
Aparentemente, o objetivo principal da “minirreforma” do IR é puramente eleitoral: correção da tabela do IRPF e criação de um discurso de que a reforma tributária avançou neste governo. O problema é que o momento para discussão de um tema complexo como este é o pior possível, e o risco é agravarmos as distorções que deveríamos corrigir.
Fonte: Estadão