Proposta de Musk para Twitter ‘pode impactar eleição’ no Brasil, diz pesquisadora
Especialista diz que eventual volta de contas de influenciadores banidas tende a resgatar o ódio
Levy Teles
Após o anúncio da compra do Twitter por US$ 44 bilhões por Elon Musk, o presidente Jair Bolsonaro e apoiadores comemoraram. Influenciadores que estavam banidos da rede social fizeram novas contas e agradeceram ao bilionário por voltarem. Musk disse que pretende flexibilizar regras de liberdade de expressão e sugeriu, em publicações na rede social, que o Twitter tem viés de esquerda.
Semanas antes da aquisição, Musk afirmou que seria “muito cauteloso” em relação a banimentos permanentes e suspensões temporárias seriam mais eficazes. No entanto, para Raquel Recuero, diretora do Laboratório de Mídia, Discurso e Análise de Redes Sociais (Labmídia), da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), se Musk resgatar contas banidas, o que poderia ocorrer até a eleição brasileira, a ação seria problemática caso se aplique para políticos e influenciadores que já foram banidos.
Em entrevista ao Estadão, Recuero disse que entende a celebração do presidente e aliados – cujas figuras influentes, como o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS), já tiveram conteúdos removidos – com o negócio de Musk. Ela disse ainda que mudanças mais profundas, como banimento de bots, podem levar mais tempo. Para ela, as primeiras mudanças propostas por Musk podem aumentar a desinformação. “Hoje, uma das estratégias de desinformação é justamente circular algo com uma opinião”, alertou Recuero. A seguir, os principais trechos da entrevista.
A senhora acredita que as propostas de Musk podem afetar a eleição brasileira?
Suponhamos que a questão da liberdade de expressão seja levada ao pé da letra, como ele diz. Isso poderia ter um impacto no sentido de se permitir a circulação de mais desinformação. Hoje, uma das estratégias de desinformação é justamente circular algo com uma opinião, para contornar o algoritmo do Twitter, que já vem coibindo certos tipos de conteúdo. Podemos ter um aumento, sim, da circulação de desinformação que pode ter um impacto negativo na eleição. A desinformação transborda, não fica em um único canal, e vai circulando em outros.
Seria viável aplicar essas mudanças até outubro?
A maioria dessas mudanças, principalmente aquelas no que dizem respeito a autenticar todos os usuários e erradicar bots, vejo como muito improvável. É preciso esperar para ver. Agora tem outras mudanças que ele propõe que podem sim, como resgatar contas banidas.
Seria um problema a volta das contas banidas?
Depende. Eu acho que muitas delas são contas automatizadas que já devem ter dado um jeito de voltar. Mas contas de políticos e influenciadores podem ser problemáticas.
Por quê?
Se essas contas voltarem, os motivos pelas quais elas foram banidas não são mais ilegais. Isso pode acabar por ampliar muito a quantidade de desinformação na plataforma. Outra coisa é discursos intolerantes e de ódio serem ampliados.
Como podemos entender o panorama eleitoral em 2022? Se parece com 2018?
É bem provável que tenhamos campanha e eleição tensas por causa dos ataques às instituições democráticas. Temos articulações de ataques, legitimação de discurso violento.
Qual o efeito de uma normalização dessas articulações no curto prazo?
Nem começou a campanha e já temos uma radicalização das opiniões, já há ameaças veladas e ameaças explícitas e a gente normaliza a ameaça à democracia. É uma normalização perigosa. As autoridades, tanto os tribunais quanto a própria Polícia Federal, precisam ficar atentas a esse tipo de comportamento, porque ele pode, sim, indicar algum outro tipo de ação como vimos nos EUA.
É uma vitória para bolsonaristas a compra do Twitter por Musk?
O momento que estamos é imprevisível. Entendo os bolsonaristas comemorarem porque há sempre esse debate entre as pessoas em que há um posicionamento mais radical sobre a liberdade de expressão ser direito absoluto. Mas sabemos que a Constituição estabelece vários limites. Não posso dizer o que eu bem entendo e fim.
Fonte: Estadão