EUA mudam regras de creditamento e empresas no Brasil temem bitributação
Nova regra definiu que apenas países com legislação tributária semelhante à dos EUA poderiam acessar crédito
Uma mudança nas regras de creditamento dos Estados Unidos levou empresas americanas que operam no Brasil a temerem uma bitributação. Como resposta, fontes consultadas pelo JOTA alegam que as multinacionais podem optar por interpor uma sociedade em outro país com tratado favorável para evitar os efeitos da mudança. Especialistas, porém, acreditam que os efeitos devem ficar visíveis no meio deste ano.
A nova regra, vigente desde dezembro do ano passado, alterou as exigências para compensação e definiu que apenas países com legislação tributária semelhante à dos EUA poderiam ter direito a crédito. A mudança foi instituída pelo Departamento do Tesouro Americano, através da TD 9969, e afetou o aproveitamento de crédito que existia entre o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) – que incide nas remessas do Brasil para o exterior – e o imposto de renda dos EUA. As alíquotas são, respectivamente, de 15% e 21%.
O grande problema está no fato de o conceito de fonte do Brasil ser diferente do americano. “O Brasil enxerga que fonte de pagamento é o critério válido para imposição do Imposto de Renda Retido na Fonte. Então qualquer pagamento que saia do Brasil vai estar sujeito ao imposto. Já os Estados Unidos têm um conceito diferente, que está conectado à fonte de produção do rendimento. Então somente se a fonte de produção daquele rendimento estivesse no Brasil e o beneficiário da renda estivesse fora do Brasil é que você deveria ter uma imposição de Imposto de Renda Retido na Fonte”, explica Francisco Lisboa Moreira, sócio do Bocater Advogados.
Antes da mudança, as multinacionais americanas que operam no Brasil podiam realizar a compensação dos valores recolhidos a título de IRRF no imposto de renda norte-americano. Hoje, como o recolhimento do imposto no Brasil não é reconhecido pelos Estados Unidos, essa compensação não pode ser feita, e as multinacionais americanas poderão sofrer a tributação nos dois países, isto é, uma bitributação.
Diante disso, uma fonte que não quis se identificar afirmou que “muitas empresas americanas que detém participação direta no Brasil irão interpor uma sociedade em outro país com tratado favorável para deter a participação na brasileira”. O acordo de bitributação é um tratado entre dois países como forma de evitar a dupla tributação.
A tributarista Lisa Worcman, sócia do Mattos Filho Advogados, confirma que existem empresas que veem como solução a criação de sociedades em países com acordo de bitributação no Brasil. Contudo, ela alerta que não pode ser aplicada de forma uniforme para todo caso, afinal, cada empresa tem sua peculiaridade e poderia ter que lidar com outros problemas em razão disso. “Isso poderia criar artificialidade da estrutura [societária], que pode ser questionada pelo fisco dos respectivos países”, diz.
Impactos
Ao JOTA, advogados explicam que com a mudança nas regras tributárias dos Estados Unidos, um dos maiores impactos na economia brasileira será o aumento de preço nos produtos importados ou que, de alguma forma, possuem relação com o mercado americano. Porém, a avaliação é de que os impactos devem ficar visíveis a partir do segundo semestre deste ano ou só em 2023.
Para Romero Tavares, tributarista e sócio da PwC Brasil, “os efeitos práticos da mudança são desastrosos”, tanto para empresas americanas que investem no Brasil quanto para as exportadoras americanas, que não têm presença direta no país.
Ele explica que a bitributação das empresas fará com que os preços no mercado brasileiro fiquem mais altos, não afetando apenas produtos, mas a importação em geral. Ou seja, até serviços de tecnologia, fundamentais para as empresas e consumidores brasileiros, ficarão mais custosos. Afinal, muitos serviços são importados dos EUA.
No entanto, Tavares explica que os efeitos devem ficar visíveis a partir de 2023. “O ‘repasse’ desse novo custo não é fácil, principalmente, em um cenário já inflacionário, e a eventual decisão de ‘desinvestir’ requer muitas ações e decisões que tomam tempo – assim não deve ocorrer desinvestimento em 2022. Por isso, acredito que para a imensa maioria dos casos os custos aparecerão no final de 2022, gerando impactos graves no Brasil [inflação e desinvestimento] a partir de 2023”, diz.
Já Lisa Worcman, sócia do Mattos Filho Advogados, acredita que “a partir do momento que as empresas começarem a ter a percepção de que realmente elas estão sendo bitributadas, vão repassar isso”. Para ela, os efeitos devem ficar aparentes já no segundo semestre deste ano, a partir de agosto. “Só não começaram ainda a repassar porque existe um diálogo das multinacionais com as autoridades americanas para tentar postergar os efeitos”, acrescenta.
O que o Brasil pode fazer para reverter os efeitos?
Uma das soluções para o conflito da tributação de renda do Brasil com os Estados Unidos seria um acordo de bitributação, de acordo com Francisco Lisboa. Porém, ele pontua que existem poucos acordos no Brasil para evitar a dupla tributação, exatos 36 tratados. Além disso, explica que é um processo demorado, que envolve questões políticas e diplomáticas, o que não ajudaria nos efeitos a curto prazo.
“No âmbito de um acordo de bitributação, principalmente com a mudança nas regras de qualificação de fonte potencialmente discutidas, os Estados Unidos permitiriam o crédito com mais facilidade”, diz.
“Talvez seja um momento oportuno para o governo brasileiro tomar algumas iniciativas para tentar se aproximar do modelo da OCDE, para que o Brasil tenha parâmetros de tributação mais alinhados a essas jurisdições consolidadas do ponto de vista internacional”, diz Leonardo Briganti, fundador do Briganti Advogados. Para ele, novas regras de preço de transferência, alinhadas com os modelos internacionais, podem ser uma boa solução.
Já o tributarista Paulo Vieira da Rocha, do VRMA Advogados, tem uma visão pessimista em relação às possíveis soluções. “A OCDE vem dando demonstrações nos últimos anos de que ela não tem uma defesa firme dos padrões dela em relação a esse ponto. Será que o Brasil deveria, como solução, buscar se adequar a um modelo cuja a grande pregadora vem dando sinais de que nem ela sabe se o modelo é o correto?”, diz.
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Mariana Ribas – Repórter em Brasília.
Fonte: JOTA