Projetos de flexibilidade apontam para nova era do trabalho nas empresas

Corporações como Natura e Bayer lançam planos de retorno em que formato híbrido é definido pelos funcionários; para gestores, é preciso ouvir feedbacks e adaptar jornada
Ludimila Honorato, O Estado de S.Paulo

Há duas semanas, o analista de marketing Vittor Luzzo Donato voltou ao trabalho 100% presencial. Num tempo em que praticamente só se fala de modelo híbrido, ele pôde escolher o que melhor se encaixa em sua rotina, morando na região metropolitana de São Paulo. Vai ao escritório da Natura, perto de casa, e deixa o filho no berçário da companhia. Ao menos duas vezes por semana, faz reuniões também presenciais com as demais pessoas da equipe no escritório localizado na capital paulista.

Essa flexibilidade integra planos estruturados de novos modos de trabalho adotados por empresas como Natura&Co América Latina, com o Projeto Ressignifica, e Bayer, que lançou o Bayflex. Nada é definitivo, elas ainda estão aprendendo como se faz e contam com o feedback dos colaboradores para que o retorno ao prédio faça sentido. Junto, investem em educação, diálogo e tecnologia para que as novas políticas fluam e se transformem quando necessário.

Vamos testar esse modelo por seis meses, vamos aprender. Fizemos o convite de co-construir essa história”, diz Flávio Pesiguelo, vice-presidente de Pessoas, Cultura e Organização de Natura&Co América Latina. Desde os primeiros meses de pandemia, a organização ouve os funcionários para entender como adaptar o trabalho remoto e, agora, promover o chamado trabalho híbrido. No final do ano passado, uma escuta mais ativa colheu opiniões de 10 mil colaboradores do administrativo para formatar o plano.

Quase a totalidade dos respondentes queria voltar, até para conhecer colegas que foram contratados virtualmente e para que estes conhecessem o escritório. Mas não queriam o modelo padrão das 9h às 17h. Os insights levaram à combinação dos três formatos (remoto, híbrido e presencial), que podem ser ajustados conforme a necessidade de cada equipe e pessoa.

A empresa convidou alguns funcionários para duas semanas de evento, antes da implementação, a fim de explicar como seria o projeto e coletar novas percepções. “Fizemos um convite aos gestores de estarem com o time no escritório, se fizer sentido estar lá, pelo menos um dia na semana. Existe liberdade de cada um ir no dia que quer, mas pedimos para ter essa coordenação”, comenta Pesiguelo. O desafio, segundo ele, é quando uma mesma equipe se divide em modelos diferentes. “Tem de haver uma reeducação, bons combinados de relação.”

Para isso, a Natura disponibilizou um documento de orientações, conta Vittor Donato. “A gente recebeu um PDF e meu time sempre combina agenda em que todos possam estar ou não fazemos reunião. Quando tem interface com outras áreas, entra por call (reunião online), como se estivesse no home office. Se tiver duas presenciais e uma online, não faz sentido.”

A Bayer, no caso, se preparou nos últimos meses com novos recursos, conta André Kraide, vice-presidente de Recursos Humanos da companhia no Brasil. “Investimos em equipamento de áudio e vídeo para ter contato visual mesmo com apresentação em outra tela. A gente tem trabalhado parte da diversidade cognitiva, não só demográfica, que estimula distintas maneiras de pensar para se expressar de maneira livre”, diz.

Outro investimento foi na comunicação, na educação e nos treinamentos para que o Bayflex, também construído após pesquisa com funcionários, pudesse ser bem incorporado. “Em 17 de dezembro, a gente comunicou como o esquema funcionaria. Incluiu comunicação com líderes, vídeos do (ator e influenciador) Vítor diCastro e plataforma interna de capacitação, em que líderes e colaboradores têm acesso a como funciona.”

Em 21 de março, após duas semanas de adaptação, o programa foi oficialmente lançado e, segundo Kraide, o feedback tem sido positivo. “O que tem acontecido é que as pessoas chegam e sentem que faz sentido estar lá. No momento em que isso não é percebido, o diálogo começa de novo.”

O executivo conta que a flexibilidade serviu para reforçar a marca empregadora e atrair novos talentos, que chegaram a enviar currículo justamente porque a empresa está trilhando esse caminho. O caso é tendência. Pesquisa da Sodexo apontou que, na hora de considerar um novo emprego, 21% avaliam ser mais importante poder ajustar dias, hora e local de trabalho do que ter benefícios como seguro e subsídio para alimentação (16%).

Conexão e cultura
Contar com a avaliação dos funcionários é o que a Bayer e a Natura têm feito para, se preciso, trocar a roda enquanto o carro anda. Para Marcio Welter, fundador e CEO da Lumen Academy, esse é o melhor caminho, antes e durante a instituição do modelo de trabalho. “Testar sem pensar é um dos maiores problemas de implementação do modelo híbrido. Antes de ir para a efetivação, tem de pensar qual jeito quero que nós, como organização e equipe, nos comportemos, quais rituais criar”, diz.

Para ajudar empresas que ainda não sabem por onde começar, a consultoria lançou o Manual de Sobrevivência 2.0 – Trabalho Híbrido Efetivo, que lista 15 práticas importantes para manter o trabalho saudável. As orientações englobam áreas como mentalidade, produtividade e organização. Acesse o documento neste link.

Welter elenca, ainda, habilidades necessárias a líderes e colaboradores nesta fase de teste, adaptação e incertezas. “A primeira é a qualidade do sim. A partir disso, a gente tem clareza do que quer e quando tem clareza se comunica melhor, conecta melhor, alinha melhor e cobra de melhor”, explica.

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Outro ponto é gerar impacto, que resulta da conexão entre as pessoas. Por fim, ele indica a disciplina na execução. “Tem muita gente que quando implementa trabalho híbrido se esquece de fazer calibragem e depois diz que deu errado. Você tem de olhar e, se começar a dar errado, pode recalibrar e mudar rápido.”

Segundo Welter, educar e treinar os funcionários, disponibilizando material sobre os novos formatos, é essencial, tanto para manter as relações interpessoais como orientar no uso de ferramentas de comunicação. Mas, antes de comunicar, ele diz que o principal é ter conexão para que a mensagem seja interpretada corretamente. E, ao longo do processo, manter o alinhamento do que foi combinado.

O ideal é que todo o programa reflita a cultura organizacional das empresas. “Sempre teve na Bayer essa busca por mais flexibilidade com home office e a pandemia catalisou de forma mais forte. Principalmente em São Paulo, que tem trânsito, esse tempo é valiosíssimo, tanto para a qualidade de vida como para a produtividade da empresa”, diz Kraide.

“Todos os nossos escritórios são construídos para estimular nossa cultura de relações. Acho que cultura se aprende observando o chefe, o colega”, diz Pesiguelo. Segundo ele, isso contribui para os funcionários sentirem-se estimulados a estarem presencialmente quando fizer sentido.


Fonte: Estadão

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