STF: 5 a 1 a favor do desempate pró-contribuinte no Carf; julgamento foi interrompido

Tendência é de vitória dos contribuintes. Alguns ministros já se posicionaram, mesmo sem votar formalmente

Os contribuintes já somam 5 votos favoráveis no Supremo Tribunal Federal (STF) para validar a mudança legislativa que definiu que o critério de desempate deve ser benéfico a eles e não ao fisco nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf). A análise da matéria foi retomada nesta quinta-feira (24/3) na Corte, mas ainda não está finalizada por conta de um pedido de vista do ministro Nunes Marques. A discussão ocorre nas ADIs 6403, 6399 e 6415.

Mesmo após a interrupção do julgamento pelo ministro Nunes Marques por um pedido de vista, com apenas três votos proferidos, alguns ministros preferiram adiantar os seus votos. Com isso, o placar formal está 5 a 1 para entender que a mudança legislativa no critério de desempate do Carf de 2020 é válida. E esse placar a favor dos contribuintes deve crescer e formar maioria, uma vez que os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli adiantaram o posicionamento a favor do desempate pró-contribuinte.

O Carf é um conselho ligado ao Ministério da Economia, composto por turmas com igual número de conselheiros oriundos da Receita Federal e indicados por representações sindicais empresariais e de trabalhadores. Antes da mudança legislativa trazida pela Lei 13.988/2020, os casos empatados no Carf eram decididos pelo chamado voto de qualidade, por meio do qual o presidente da turma de julgamento, sempre representante da Receita Federal, proferia o voto de minerva. Com a mudança, em caso de empate, prevalece o entendimento pró-contribuinte.

A análise das ações tinha sido interrompida por um pedido de vista do ministro Alexandre de Moraes em junho de 2021. No retorno do julgamento, nesta quinta-feira, ele votou pela constitucionalidade da norma. Ao contrário do relator, ministro Marco Aurélio, Moraes entendeu que a tramitação da norma seguiu conforme o texto constitucional e, portanto, não há vício formal. No mérito, ele defendeu que a Constituição é protetiva ao contribuinte, o que justifica a alteração na sistemática de desempate no Carf.

“Se há um sistema protetivo ao contribuinte, me parece mais razoável que o empate seja a favor do contribuinte do que do Fisco, porque a Constituição prevê todo um arcabouço normativo de proteção ao contribuinte”, especificou. Moraes também refutou o argumento de queda da arrecadação aos cofres públicos. “Se a alteração prejudica o estado, significa que a previsão anterior prejudicava o contribuinte, então claramente era inconstitucional”, complementou.

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Acompanharam integralmente o ministro Alexandre de Moraes os ministros Edson Fachin, Cármen Lúcia e Ricardo Lewandowski. O ministro Luís Roberto Barroso também defendeu o desempate pró-contribuinte e fim do voto de qualidade no Carf, mas ponderou que a Fazenda Nacional poderá ir à juízo caso perca no tribunal administrativo.

Ainda faltam votar os ministros Nunes Marques, Rosa Weber, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luiz Fux.

Discussão
Desde a alteração legislativa, em 15 de abril de 2020, o Partido Socialista Brasileiro (PSB), a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (Anfip) e a Procuradoria-Geral da República vêm tentando, no STF, provar a inconstitucionalidade da mudança no critério de desempate no Carf.

Entre os argumentos está a existência de inconstitucionalidade formal dos dispositivos que mudaram o voto de qualidade do Carf por vício no processo legislativo. A alegação é que os artigos inseridos não teriam pertinência temática com a MP 899/2020 – posteriormente convertida na Lei do Contribuinte Legal – que tratava da transação tributária entre a União e os contribuintes.

A extinção do voto de qualidade no Carf não constava no texto original da MP e foi inserida no Congresso Nacional por meio de uma emenda aglutinativa. Por isso, para o PSB, a Anfip e a PGR, há violação do princípio democrático e do devido processo legislativo. Os autores das ações ainda alegam prejuízos aos cofres públicos. O PSB, por exemplo, argumenta que a União perderá R$ 60 bilhões por ano.

Enquanto o STF não julga o mérito da questão, foram editadas algumas resoluções colocando parâmetros para a aplicação do critério de desempate pró-contribuinte. A portaria 260/2020 do Ministério da Economia define que a nova sistemática pode ser usada apenas para processos relativos a autos de infração lançados pela Receita Federal, e não para processos de compensação tributária. Devido à alteração do desempate e à pandemia, importantes casos e teses têm sido retirados de pauta no Carf.

Reações
Mesmo sem maioria formal formada, advogados de contribuintes já dão como certa a vitória do desempate favorável aos contribuintes no Carf.

Na análise de Breno Vasconcelos, pesquisador e sócio do escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, os ministros adiantaram os votos para reduzir a insegurança jurídica gerada pelas ADIs. O advogado interpreta que, a partir dos votos proferidos pelos ministros, é possível observar que o STF mostra-se preocupado em respeitar a opção política pública decidida pelo Congresso e sancionada pelo presidente. Além disso, a Corte está caminhando para delimitar com mais objetividade os jabutis, isto é, as emendas parlamentares incorporadas ao texto de conversão em lei das medidas provisórias.

O tributarista destaca ainda que os ministros também deixaram claro a impossibilidade da União ingressar em juízo após derrota no Carf, conforme o proposto por Barroso. “A impossibilidade de a União ingressar em juízo caminha para se tornar uma das razões de decidir do acórdão, ou seja, um fundamento determinante. Assim, apesar de não vincular o legislador, a objeção dos ministros, que afirmaram não haver interesse de agir da União ou que seria um comportamento contraditório, sinaliza para uma eventual inconstitucionalidade caso o Poder Legislativo edite lei autorizando essa medida”, acredita.

“O que pode ser notado neste julgamento é que, apesar do ministro Kassio ter pedido vista, outros ministros quiseram votar, sinalizando o entendimento deles sobre o tema. Me parece que o Supremo está um pouco menos tolerante com os pedidos de vista”, analisa Cristiane Romano, sócia do escritório Machado Meyer Advogados.

O advogado Tiago Conde, procurador tributário adjunto do Conselho Federal da OAB, analisa que os votos dos ministros deixaram claro que não houve contrabando legislativo na alteração que mudou o voto de qualidade no Carf. “A matéria da lei que cuidou do voto de qualidade também cuida de matéria tributária, não existindo contrabando. Depois, ficou claro que foi a vontade soberana do legislador, o processo legislativo foi hígido. Logo, não temos inconstitucionalidade”.

Para Bruno Aguiar, sócio da área tributária do escritório Rayes e Fagundes Advogados Associados, a interrupção do julgamento por pedido de vista de Nunes Marques não deve alterar o desfecho. “O que representará uma valiosa vitória para os contribuintes, que não mais serão penalizados a pagar dívidas fiscais quando do empate em julgamentos do Carf. Importante ampliar este conceito, que já estava embutido no Código Tributário Nacional, pelos demais Tribunais Administrativos dos estados, Distrito Federal e municípios”.

O procurador da Fazenda Municipal do Rio de Janeiro Ricardo Almeida vê com preocupação o resultado a qual se encaminha o julgamento e os reflexos que ele trará na administração pública tributária nos demais entes. “Minha grande preocupação é ter representantes privados, podendo definir, exclusivamente pela vontade deles, a manifestação do órgão administrativo que, por isso, se desnatura. Em matéria tributária, você precisa ter um agente tributário praticando ou revendo os atos. E, na hipótese de empate, não vai ter nenhum agente público se manifestando”, defendeu.

O advogado João Colussi, sócio do escritório Mattos Filho, opina que os votos proferidos e a tendência do julgamento pró-contribuinte demonstra “a consequência do uso distorcido e com viés arrecadatório que endereçou a extinção do voto de qualidade em prol do fisco”.

Halley Henares, presidente da Associação Brasileira de Advocacia Tributária (ABAT), amicus curiae, no processo, explica que o fim do voto de qualidade não invalida o sistema jurídico. “O voto de qualidade sendo pró-fisco, não tínhamos uma certeza do direito absoluta para validar o lançamento tributário e exigir a cobrança do crédito tributário”, explica.

“As decisões dos ministros do Supremo estão indo nessa linha de acatar a constitucionalidade material, preceituando que o fato de agora ter o voto de qualidade pró-contribuinte não invalida o sistema jurídico, pelo contrário, ele defende mais o direito do contribuinte e a certeza do direito”, complementa.

Flávia Maia – Repórter em Brasília.


Fonte: JOTA

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