Revisão da vida toda: aposentado requer anulação de destaque de Nunes Marques
Caso o julgamento seja reiniciado, homem quer que o voto de Marco Aurélio, relator original, seja mantido
O Supremo Tribunal Federal (STF) começou a receber as reações das partes e dos terceiros interessados ao pedido de destaque de Nunes Marques e o consequente reinício do julgamento da revisão da vida toda para beneficiários da Previdência Social.
A defesa do aposentado Vanderlei Martins de Medeiros e o terceiro interessado Instituto de Estudos Previdenciários (Ieprev) suscitaram questão de ordem no processo para anular o destaque do magistrado e manter o voto do relator original, ministro Marco Aurélio, a favor dos aposentados, mesmo se a discussão for reiniciada. A discussão sobre a revisão da vida toda ocorre no RE 1.276.977. A petição do aposentado foi acrescentada no processo nesta terça-feira (15/3) e a do Ieprev, na quinta-feira da última semana (10/3).
Assim que Nunes Marques pediu o destaque, começou uma movimentação no Supremo entre os ministros para a análise de uma questão de ordem de modo a manter o voto proferido pelo relator, ministro Marco Aurélio. Com o pedido feito pela parte e pelo amicus curiae, a questão de ordem deverá ser analisada como preliminar antes de julgarem novamente o mérito da controvérsia entre aposentados e a Previdência Social.
Nos bastidores, ministros do STF têm afirmado que o pedido de destaque foi uma tentativa de manipular o resultado do julgamento da revisão da vida toda a favor do governo de Jair Bolsonaro, que tem defendido que a decisão favorável aos beneficiários do INSS vai “quebrar o Brasil” por causa do impacto fiscal. Os valores do impacto são divergentes – a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) traz a cifra de R$ 46, 4 bilhões em 10 anos; a Previdência calcula R$ 360 bilhões em 15 anos e associações de aposentados falam em impacto econômico entre R$ 2,7 bilhões e R$ 5,5 bilhões nos gastos federais com Previdência, conforme a mediana do indicador de inflação.
O ministro Nunes Marques resolveu reiniciar o julgamento após o voto de todo o colegiado e do placar de 6 a 5 a favor dos aposentados e a poucos minutos do prazo final reservado ao plenário virtual. Até a interrupção de Nunes Marques, estava vencendo a posição do relator, ministro Marco Aurélio, e o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o assunto, no sentido de que o segurado do INSS tem, diante de mudanças nas regras previdenciárias, o direito de optar pela regra que lhe seja mais favorável.
Caso o julgamento da revisão da vida toda sendo reiniciado, a relatoria do caso sai do ministro Marco Aurélio e passa para André Mendonça, ministro indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, assim como Nunes Marques. E assim, o resultado do julgamento pode ser completamente alterado. Por isso, os aposentados e suas associações correm contra o tempo para tentar impedir a mudança no resultado. Caberá ao ministro Luiz Fux decidir sobre as questões de ordem.
O Ieprev e a defesa do aposentado sustentam que a questão de ordem para manter o voto do relator se justifica porque o destaque deve respeitar os princípios administrativos, dentre eles a moralidade, motivação e finalidade. As petições também afirmam que Nunes Marques não respeitou a colegialidade e fez um uso abusivo de seu direito do pedido de destaque, uma vez que a controvérsia já estava resolvida. Argumentando também que o ato de Nunes Marques deveria ser fundamentado pois ele mesmo já tinha votado.
“A circunstância é agravada pela possibilidade regimental de, com a medida, retomar-se o julgamento presencial desprezando-se o voto do Ministro Relator competente por distribuição, que já houvera exercido a jurisdição naquilo que lhe incumbia – a relatoria e o voto inicial – no ato jurídico complexo em que se consubstancia a formação da vontade do colegiado, com possível substituição de seu voto pelo Ministro herdeiro da relatoria em razão da aposentadoria daquele, suscitando dúvida razoável quanto à possível intenção deliberada de alterar o resultado do julgamento na nova composição do Colegiado”, escrevem os advogados Gisele Lemos Kravchychyn e Noa Piatã Bassfeld Gnata, advogados do aposentado Vanderlei, parte do processo da revisão da vida toda.
“A questão de ordem ora levantada busca impedir que o processo vá para plenário presencial, pois o julgamento teve ampla produção probatória, deixando todos os ministros confortáveis para a apresentação de seus votos. Não existe nenhum novo argumento que justifique o destaque. De mais a mais, referido pedido fere o princípio da moralidade administrativa, uma vez que, não sendo trazidos novos argumentos, este poderia ter sido feito em outro momento, até mesmo antes do voto do próprio Ministro Kassio Nunes Marques”, escreve João Osvaldo Badari Zinsly Rodrigues, advogado do Iprev.
“Fica clara a preclusão consumativa, pois este pedido de destaque deveria ser realizado antes ou durante o seu voto, e não posteriormente. E vamos além, foi solicitado após a juntada dos 11 votos, tendo conhecimento do resultado final, ferindo frontalmente a segurança jurídica e credibilidade do poder judiciário”, complementa Rodrigues.
O que é a revisão da vida toda?
Em 1999, foi promulgada a Lei 9.876, uma reforma previdenciária que criou duas fórmulas para apuração da média salarial, sobre as quais são calculadas as aposentadorias. A regra geral definiu que, para trabalhadores que começassem a contribuir a partir de 27 de novembro de 1999, o cálculo da previdência deveria ser sobre 80% dos recolhimentos mais altos desde o início das contribuições.
Mas a mesma lei fixou uma regra de transição para quem já era contribuinte: o benefício deveria ser calculado a partir das contribuições realizadas a partir de julho de 1994 (quando foi instituído o Plano Real). No STF, os segurados visam uma revisão, para incluir nos cálculos todo o período de contribuição do segurado, e não só após 1994. Dessa forma, beneficiaria os segurados que tiveram as maiores contribuições antes desse período.
Até 1994, o país tinha uma alta inflação devido às mudanças frequentes de moedas. Naquele ano, foi instituído o Plano Real. A Lei 9.876/1999 então definiu que iriam ser considerados os salários a partir de julho de 1994. No entanto, algumas pessoas tiveram suas maiores contribuições antes de 1994. Então quando elas começaram a se aposentar depois disso, tiveram benefícios menores do que poderiam ter. E muitas pessoas passaram a entrar no Judiciário para pleitear que a aposentadoria considerasse todo o histórico contributivo, e não apenas de 1994 para frente.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, em 2019, pela validade da “revisão da vida toda”, autorizando que, quando mais vantajosa, os segurados teriam direito ao cálculo da média aritmética simples dos maiores salários de contribuição correspondentes a 80% de todo o período contributivo, e não só a partir do Plano Real. O INSS recorreu ao STF por meio do recurso extraordinário que está sendo julgado agora.
Na ocasião, o STJ fixou a seguinte tese: “Aplica-se a regra definitiva prevista no art. 29, I e II da Lei 8.213/1991, na apuração do salário de benefício, quando mais favorável do que a regra de transição contida no art. 3o. da Lei 9.876/1999, aos Segurado que ingressaram no Regime Geral da Previdência Social até o dia anterior à publicação da Lei 9.876/1999″.
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Flávia Maia – Repórter em Brasília.
Fonte: JOTA