Modulação tributária: preservação dos cofres públicos ou incentivo à judicialização?

Segunda hipótese tem sido levantada por profissionais que atuam no Judiciário, mas divide opiniões

A modulação de decisões em matéria tributária tem se tornado prática recorrente no Supremo Tribunal Federal (STF). Para amortecer o impacto aos cofres públicos, a Corte opta por “jogar para frente” o efeito de posicionamentos, estabelecendo uma data a partir da qual o entendimento da Corte passará a valer.

Mas e se, contraditoriamente, o instituto estiver incentivando os contribuintes a irem à Justiça, aumentando eventuais restituições por parte do poder público? A hipótese tem sido levantada por profissionais que atuam no Poder Judiciário, porém arranca posicionamentos divergentes.

A movimentação decorreria do fato de o STF, em casos recentes, ter resguardado da modulação as ações judiciais em tramitação. Ou seja, os contribuintes que foram à Justiça antes da palavra final do Supremo tomada em regime de repercussão geral têm o direito a restituir valores pagos indevidamente em uma extensão maior em relação aos que esperaram pelo posicionamento da Corte.

É o caso, por exemplo, da “tese do século”, sobre a inclusão do ICMS na base do PIS e da Cofins. Em 2021 o Supremo decidiu pela modulação “para frente” da decisão favorável às empresas, com produção de efeitos a partir de 17 de março de 2017, ressalvadas as ações em andamento. Isso significa que uma empresa que foi à Justiça em 2016 tem direito à restituição pelo PIS e pela Cofins pagos a mais desde os cinco anos anteriores ao ajuizamento da ação. Um contribuinte que propôs ação em 2020, por outro lado, só conseguirá restituir o que pagou de forma irregular a partir de março de 2017.

O suposto incentivo à judicialização a partir da modulação é um dos temas tratados na 5ª edição do Diagnóstico do Contencioso Judicial Tributário Brasileiro, feito pelo Insper a pedido do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Entre outros temas, pergunta o instituto: há relação entre o risco de modulação e o número de processos ajuizados?

O Insper não conseguiu dados suficientes para provar numericamente o fenômeno, porém concluiu que “a utilização reiterada desse instituto pode atuar, na prática, como um incentivo ao ajuizamento de novas ações antiexacionais pelos contribuintes na iminência dos julgamentos de precedentes vinculantes pelos Tribunais Superiores”.

Ainda, é citado um ofício apresentado pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) nos autos da “tese do século”. A procuradoria afirmou, na ocasião, que “78% dos mais de 56 mil processos mapeados sobre o assunto foram ajuizados a partir do ano de 2017, quando o STF julgou o mérito” do processo.

A “corrida” ao Judiciário é sentida também por advogados. Ouvido pelo JOTA, um tributarista de uma das maiores bancas do país contou que a escolha por ir à Justiça em geral vale a pena após um cálculo feito pelas empresas: os custos de acessar o Judiciário são superiores ao valor a ser restituído? No contexto brasileiro, em geral, a resposta é sim.

Entre as teses com repercussão geral nas quais houve um aumento no interesse de companhias, de acordo com o advogado, estão a constitucionalidade da incidência da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide) nas remessas ao exterior (RE 928.943), a regularidade da multa isolada de 50% na não homologação de declarações de compensação (ADI 4.905 e RE 796.939) e a incidência de IRPJ e CSLL sobre valores referentes à taxa Selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário (RE 1.063.187).

Em relação à Cide o julgamento está marcado para 18 de maio. No caso da multa de 50% há voto do relator pela inconstitucionalidade da penalidade, e o processo retorna de pedido de vista do ministro Gilmar Mendes em 1º de junho.

No caso da Selic houve posicionamento do STF de forma favorável às empresas, e há pedido de modulação pela PGFN. A procuradoria pede que o Supremo não ressalve as ações judiciais em curso, e, se o fizer, que seja até a inclusão do processo na pauta de julgamento. Dados anexados pela PGFN nos embargos de declaração dão conta que tramitam no Brasil 10 mil processos sobre o tema. Do total, 1.800 foram ajuizados após a inclusão em pauta do RE. Dentro deste universo, 1.300 casos foram propostos no período em que o caso estava em análise no plenário virtual, entre 17 e 24 de setembro de 2021.

“Tais dados evidenciam a utilização, por parte dos contribuintes, da ressalva à modulação de efeitos por vezes aplicada às ações já ajuizadas, como forma de esvaziar o instituto, tornando-o inócuo diante do significativo número de contribuintes cujos fatos geradores, ocorridos antes do julgamento, ainda serão atingidos pelos seus efeitos”, conclui a PGFN.

Enquanto a PGFN defende que a modulação não ressalve ações em curso, o estudo do Insper propõe outra solução para o problema do aumento da litigiosidade atrelada a processos com repercussão geral. No documento há a sugestão de que os tribunais superiores priorizem o julgamento de embargos de declaração em casos repetitivos, como forma de acelerar a análise da modulação.

Além disso, para o instituto, seria útil uma alteração nas regras processuais para exigir que o pedido de modulação seja formulado já na interposição do recurso e julgado concomitantemente ao mérito.

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Fonte: JOTA

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