Poucas varas especializadas e escassez de dados geram alto contencioso tributário

Na 1ª instância, proporção de varas especializadas em questões tributárias em um único tribunal não passa de 10,7%

O baixo número de varas especializadas no Judiciário e a falta de transparência, coleta e tratamento de dados no pré-contencioso estão entre as razões para o elevado contencioso tributário no país. Os dados estão na 5ª edição do Diagnóstico do Contencioso Tributário Judicial Brasileiro, realizada pelo Insper e encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

O estudo mostrou que, na primeira instância, a proporção de varas especializadas em questões tributárias em um único tribunal não ultrapassa 10,7%, caso do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com 21 varas. No outro extremo, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3) e o Tribunal de Justiça de Sergipe (TJSE) não possuem nenhuma vara especializada em Direito Tributário. Já na segunda instância, somente o TRF4 e o TRF2 possuem varas especializadas, com seis gabinetes cada.

“A gente praticamente não tem, na primeira e segunda instância, nada especializado em tributário. É como se fossem clínicos gerais cuidando de uma matéria muito especializada, que é Direito Tributário”, comenta Leonardo Alvim, pesquisador do Núcleo Tributário do Insper.

A pesquisa estabeleceu uma relação entre a especialização das varas e a celeridade processual. Enquanto nas varas generalistas o tempo médio para uma sentença de mérito foi calculado em 379,1 dias, nas varas especializadas o período é de 191,3 dias. Ou seja, um maior número de varas especializadas ajudaria a acelerar o andamento das causas, contribuindo, em última instância, para diminuir o contencioso.

O estudo também identificou que a sistemática dos recursos repetitivos e de repercussão geral reduziu o estoque de processos tributários apenas nos tribunais superiores. Entre 2016 e 2021, o estoque de processos tributários no Superior Tribunal de Justiça (STJ) caiu de 46.610 para 29.211. Já no Supremo Tribunal Federal (STF), entre 2017 e 2020, houve redução de 6.654 para 3.390 casos. No entanto, segundo a pesquisa, “os Tribunais Regionais Federais e os Tribunais de Justiça que forneceram os dados não se beneficiaram dessa redução no mesmo período”.

“Uma hipótese é que, apesar de julgar temas repetitivos, [esses tribunais] têm processos sobrestados, que envolvem mais de uma matéria”, comenta Breno Vasconcelos, também pesquisador do Núcleo de Tributação do Insper.

Dados
Como sintoma da necessidade de os órgãos da administração tributária melhorarem o acesso do público à informação, os pesquisadores apontaram a dificuldade da própria equipe do estudo em obter respostas. Embora os pesquisadores tenham procurado as procuradorias e fiscos de 16 capitais solicitando dados via Lei de Acesso à Informação (LAI), a taxa de respostas válidas oscilou entre cinco e seis por questionamento.

“Chamou a atenção o fato de muitas procuradorias nem mesmo responderem. Elas não têm dados e usam poucos dados para aferir os motivos do contencioso”, afirma o pesquisador Leonardo Alvim.

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Um dado que ilustra a afirmação é que poucos órgãos mantêm um controle dos temas que foram objeto de decisão na sistemática dos recursos repetitivos, em repercussão geral ou em controle concentrado de constitucionalidade.

De cinco procuradorias que responderam sobre o tema, só duas disseram manter dados consolidados sobre o assunto: a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) e a Procuradoria-Geral do Município de Maceió (PGM/Maceió). “São administrações públicas que continuam litigando quando há decisões em repetitivo. É um retrato muito ruim e que explica muito o contencioso que a gente tem hoje”, comenta Alvim.

“A PGFN tem esses dados e tem se dedicado a resolver os problemas no pré-contencioso, com transação tributária e outras medidas. Mas algumas procuradorias sequer responderam e outras disseram: ‘Hoje não temos como trazer esses dados, não controlamos em quantos processos a procuradoria deixa de recorrer em razão de um recurso repetitivo ou de uma repercussão geral’”, observa Carla Novo, também do Núcleo de Tributação do Insper.

Com relação à transparência referente a atos preparatórios, ou seja, notas, estudos ou pareceres internos sobre legalidade ou constitucionalidade, somente duas de seis procuradorias indicaram que praticam transparência ativa, ou seja, os dados estão disponíveis mesmo sem um pedido de informação por parte do contribuinte.

Quatro mantêm transparência passiva, ofertando os dados somente quando demandadas. Já em relação aos fiscos, um mantém um modelo de transparência ativa e cinco praticam transparência passiva.

Outro ponto pesquisado foi a existência de iniciativas para revisar e propor legislações tributárias, com a participação de especialistas e sociedade. Entre cinco procuradorias, somente a PGFN respondeu que tais iniciativas ocorrem “às vezes”. No caso dos fiscos, entre três secretarias de Fazenda, a de Minas Gerais respondeu que as iniciativas acontecem “às vezes” e outras duas secretarias que não ocorrem.

Há ainda uma percepção entre os contribuintes de que a acessibilidade dos sites dos órgãos da administração tributária deixa a desejar. De 54 entrevistados, 29 – o equivalente a 53% – considera que as páginas dos órgãos na internet não são amigáveis e acessíveis. Um total de 16 (29,62%) afirmou que há acessibilidade, e nove (16,6%) “apenas parcialmente”.

Por outro lado, consultados sobre o tema, órgãos da administração tributária mostraram ter uma percepção oposta à dos usuários. De seis fiscos que responderam aos pesquisadores, quatro disseram que os portais são amigáveis e acessíveis e dois disseram que não são.

“Quando a gente fala em portal acessível e amigável, é importante que tenha todas as informações, mas também que sejam de fácil acesso. Se eu tenho dificuldade para encontrar informações, seja da legislação, interpretação ou dados numéricos, talvez o site não seja tão simples e amigável quanto o órgão pensa”, comenta a pesquisadora Carla Novo.

Mariana Branco


Fonte: JOTA

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