Vice-presidente da Anamatra: artigos que alteram justiça gratuita são inconstitucionais
Para Luciana Conforti, artigos contestados pela PGR trouxeram limitação do acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho
O Supremo Tribunal Federal (STF) retoma nesta quarta-feira (20/10) o julgamento sobre a constitucionalidade artigos da reforma trabalhista que alteram elementos da justiça gratuita. A vice-presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), Luciana Conforti, disse em entrevista ao JOTA que a ADI 5.766, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR) busca reparar uma “situação de desigualdade do trabalhador”.
A Anamatra é um dos amici curiae que atuam na ação. Para Conforti, os artigos que estão sendo contestados pela PGR trouxeram “clara limitação do acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho” e trazem “uma situação incompatível com a missão constitucional dessa área do Judiciário”.
O Supremo vai decidir sobre a constitucionalidade de artigos da CLT inseridos na reforma trabalhista, que responsabilizam a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, custas judiciais, honorários de sucumbência, ainda que beneficiária da justiça gratuita. O placar está 2 votos a um a favor da manutenção das alterações trazidas pela reforma de 2017.
Leia a íntegra da entrevista:
Qual é a tendência desse julgamento no STF? Deve ser um placar apertado ou não?
Procuramos trabalhar os argumentos com todos os ministros, distribuindo para eles os memoriais que produzimos sobre o tema, nos quais esclarecemos o impacto e as consequências da Reforma Trabalhista para as relações de trabalho. Entretanto, ainda não temos uma previsão de como deverá ser o resultado.
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Temos manifestado extrema preocupação com a situação, pois, em muitos casos, o trabalhador hipossuficiente econômico, ao reclamar em juízo pretensões que não pagas no contrato de trabalho pode, conforme a situação do processo, encerrá-los com dívidas, a despeito da gratuidade judiciária que lhe pode ser reconhecida. Tem que ser pensado que o trabalhador, que não tem condições econômicas de arcar com os custos do processo, vai à Justiça do Trabalho e, por vezes, por não conseguir comprovar o que lhe é devido, pode sair devedor. É, de fato, uma situação incompatível com a missão constitucional da Justiça do Trabalho.
Os artigos impugnados pela Procuradoria-Geral da República na ação estabelecem restrições inconstitucionais à garantia de gratuidade de justiça?
Há, hoje, uma clara limitação do acesso dos trabalhadores à Justiça do Trabalho. A ADI movida pela PGR busca reparar isso e consertar essa situação de desigualdade do trabalhador, cujo crédito trabalhista é essencialmente um crédito alimentar, em relação a outros cidadãos. Conhecida como ADI do Acesso à Justiça, a ação discute o amplo acesso ao Poder Judiciário Trabalhista, que foi abalado pela Lei nº 13.467/2017 (reforma trabalhista).
O principal objetivo é requerer a declaração de inconstitucionalidade do artigo 790-B da Consolidação das Leis Trabalhistas (caput e parágrafo 4º), que responsabiliza a parte sucumbente (vencida) pelo pagamento de honorários periciais, ainda que beneficiária da justiça gratuita. Também é impugnado o artigo 791-A, que considera devidos honorários advocatícios de sucumbência por beneficiário de justiça gratuita, sempre que tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa.
A PGR questiona também o dispositivo que responsabiliza o beneficiário da justiça gratuita pelo pagamento de custas caso o processo seja arquivado em razão de sua falta à audiência, até como condição para ajuizar nova demanda (artigo 844, parágrafo 2º). Requer ainda a suspensão da eficácia da expressão “ainda que beneficiária da justiça gratuita”, no caput, e do parágrafo 4º do artigo 790-B da CLT; da expressão “desde que não tenha obtido em juízo, ainda que em outro processo, créditos capazes de suportar a despesa,” no parágrafo 4º do artigo 791-A da CLT; e da expressão “ainda que beneficiário da justiça gratuita,” no parágrafo 2º do artigo 844 da CLT.
A lei é de 2017. De lá para cá, ficou mais restrito o acesso dos mais pobres?
A Anamatra vem apontando a extensão do dano que a legislação impugnada causará no acesso à jurisdição, assim como o tratamento desigual em relação às partes no Processo Civil. Se as normas não forem consideradas inconstitucionais pelo STF, se multiplicarão os casos em que as verbas eventualmente auferidas pelos trabalhadores nas ações judiciais serão parcial ou totalmente destinadas ao pagamento de honorários dos advogados das empresas reclamadas. Chegamos a demonstrar ao Supremo casos dessa natureza.
O ministro Edson Fachin alertou em seu voto, ainda em maio de 2018, para completa inconstitucionalidade nas restrições impostas, como pagamento de despesas processuais pela parte sucumbente mesmo sendo hipossuficiente e como necessidade de pagamento de custas para ajuizamento de nova ação após o arquivamento. Para o ministro, “é preciso restabelecer a integralidade do direito fundamental de acesso à Justiça trabalhista pelos necessitados ou hipossuficientes”.
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Nesse período, foi possível observar alguma diminuição na judicialização? As ações ficaram mais efetivas?
As Varas do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) receberam 3.491.087 processos em 2015; 3.700.642 casos novos em 2016; e 3.675.042 em 2017. Em 2018, o número total de processos que tramitou na Justiça do Trabalho foi de 2.900.573, havendo decréscimo de 700 mil em relação ao ano anterior, o que, sem dúvida, é reflexo da alteração legislativa produzida pela reforma trabalhista e da restrição de acesso à Justiça. Porém, em 2019, foram recebidos 3.377.004 processos. Entendemos que houve um adiantamento de casos pelas partes antes da Reforma Trabalhista, temendo seus efeitos, um recuo inicial no ano de sua entrada em vigor, mas a quantidade de casos vou a crescer posteriormente.
A Justiça do Trabalho demonstrou, ao longo da pandemia, o quanto é capaz de assegurar o livre e amplo acesso à Justiça, bem como a duração razoável do processo. Ela deve julgar todas as demandas sociais existentes, mas sem entraves de ordem financeira para que o trabalhador possa levar ao Judiciário o que entende que é seu direito.
Que tipo de consequência houve com a demora neste julgamento?
Ela é prejudicial a todos, pois traz uma insegurança jurídica muito grande, notadamente para o trabalhador que aguarda a decisão no sentido que se possa corrigir as inconstitucionalidades da Reforma Trabalhista, em especial em relação ao acesso à Justiça do Trabalho.
Caso o STF decida pela inconstitucionalidade dos artigos, como fica a situação dos trabalhadores beneficiários da Justiça gratuita que foram parte vencida e ficaram responsáveis por pagar os honorários periciais?
Neste caso, serão retomadas as regras anteriores à Reforma Trabalhista, ou seja, perdem a validade os dispositivos modificados por ela. Os trabalhadores nessa situação passam a ter direito ao benefício da gratuidade, quando efetivamente estiver nessa condição, e ele deixará de pagar as despesas processuais.
Fonte: JOTA