Lentidão na Lei Rouanet atinge pico sob Bolsonaro, mesmo com mais dinheiro

Secretaria de Cultura faz muitos pedidos e não dá retorno, dizem proponentes; pasta não se manifesta
João Perassolo Pedro Martins

São Paulo e Ribeirão Preto

Embora a Lei Rouanet siga como farol para produtores culturais e para o mercado, seu desmonte parece efetivamente estar em curso por parte da Secretaria Especial da Cultura do governo federal. Por um lado, há uma lentidão na transformação de propostas em projetos, o primeiro passo para que uma peça de teatro ou um show, por exemplo, possam buscar dinheiro público para chegar aos palcos.

Superada essa etapa, a paralisia tem atingido também uma fase posterior, quando o projeto precisa ser analisado por um parecerista —um técnico da mesma área cultural do que está sendo proposto que avalia a qualidade do material enviado e sua adequação financeira. Pareceristas dizem ficar meses sem receber projetos para análise e, de repente, recebem dezenas de uma só vez.

A morosidade pode ser dissecada em números. Entre janeiro e agosto, a secretaria analisou 45% menos propostas em comparação a igual período do ano passado. A queda mais acentuada ocorreu no último trimestre, quando 131 análises foram realizadas, uma baixa de 78,5% ante o trimestre anterior. Dessa forma, uma proposta leva em média cinco meses para ser aprovada, três meses a mais do que no ano passado —uma lentidão inédita dentro da própria gestão Bolsonaro.

O somatório de problemas apontados por diversos relatos à reportagem significa que a lei, o principal mecanismo de fomento às artes do país, é agora um caminho espinhoso e incerto para os produtores culturais. Como consequência do enxugamento do número de projetos, o público poderá ver menos espetáculos e exposições de arte no médio prazo.

Procurada para comentar, a Secretaria Especial da Cultura não se manifestou.

Segundo os relatos, a secretaria instaurou uma porção de exigências que não havia antes para a admissão de uma proposta. São as chamadas diligências, perguntas gerais sobre o projeto e dúvidas sobre o orçamento. “Isso é comum em mecanismos de incentivo fiscal. O que não é comum é a demora com que esse processo tem sido feito”, afirma Stefane Rabelo, diretora executiva da Nexo, uma assessoria de captação de recursos públicos para projetos culturais.

Além disso, caso alguma das diligências não seja atendida de imediato, a pasta arquiva as propostas, causando pânico nos proponentes, de acordo com os relatos. Produtores também reclamam que o botão de resposta às vezes some do site do governo e ninguém na secretaria atende o telefone ou dá resposta.

De acordo com um produtor com décadas de experiência, o sistema da secretaria pediu três orçamentos diferentes de 200 itens de seu projeto —uma grande iniciativa na área de música com milhares de itens orçamentários—, o que, na prática, inviabiliza sua tramitação.

Esse tipo de demanda, segundo ele, passou a acontecer no rastro de um decreto publicado pelo governo no final de julho que alterou vários pontos da Rouanet e pegou os proponentes de surpresa, já que não há regulamentação legal que dê essa prerrogativa ao governo nem que sustente esse decreto. Partidos de oposição pediram a anulação do decreto ao Supremo Tribunal Federal.

“Na minha opinião é uma atitude deliberada da atual secretaria de Cultura para diminuir o impacto, o volume de investimentos da Lei Rouanet”, afirma Henilton Menezes, gestor cultural e ex-secretário responsável por fomento do agora extinto Ministério da Cultura durante parte dos governos Lula e Dilma.

Segundo Menezes, como Bolsonaro não pode extinguir a Rouanet, os servidores estão desidratando o mecanismo pouco a pouco. Como resultado, “as pessoas ficam desestimuladas a apresentar projetos porque não conseguem aprovar”.

Sua visão ecoa na de pareceristas com quase uma década de experiência ouvidos pela reportagem. Eles afirmam que, desde o início deste ano, caiu drasticamente a quantidade de projetos enviados para análise, mas em agosto alguns receberam até 30 documentos, o que eles dizem ser impossível de se analisar dentro do prazo de 20 dias, visto que o rotineiro é trabalhar com no máximo cinco projetos mensais.

Outro fator que estaria dificultando o trabalho, contam, é a mudança de regras e de funcionários das instituições responsáveis pela análise dos projetos, que fazem a distribuição entre os pareceristas. É o caso da Funarte, a Fundação Nacional de Artes, responsável pelo parecer técnico que, citando Deus e outras referências religiosas, barrou a captação de verba pelo Festival de Jazz do Capão, autodeclarado antifascista.

A decisão causou polêmica, mobilizando a sociedade civil e artistas como Paulo Coelho, que decidiu doar aos organizadores o dinheiro necessário para a realização do festival. Levou ainda o Ministério Público Federal a abrir um inquérito para investigar suspeita de impessoalidade em decisões da Funarte, o que já é investigado num inquérito do ano retrasado.

Sua visão ecoa na de pareceristas com quase uma década de experiência ouvidos pela reportagem. Eles afirmam que, desde o início deste ano, caiu drasticamente a quantidade de projetos enviados para análise, mas em agosto alguns receberam até 30 documentos, o que eles dizem ser impossível de se analisar dentro do prazo de 20 dias, visto que o rotineiro é trabalhar com no máximo cinco projetos mensais.

Outro fator que estaria dificultando o trabalho, contam, é a mudança de regras e de funcionários das instituições responsáveis pela análise dos projetos, que fazem a distribuição entre os pareceristas. É o caso da Funarte, a Fundação Nacional de Artes, responsável pelo parecer técnico que, citando Deus e outras referências religiosas, barrou a captação de verba pelo Festival de Jazz do Capão, autodeclarado antifascista.

A decisão causou polêmica, mobilizando a sociedade civil e artistas como Paulo Coelho, que decidiu doar aos organizadores o dinheiro necessário para a realização do festival. Levou ainda o Ministério Público Federal a abrir um inquérito para investigar suspeita de impessoalidade em decisões da Funarte, o que já é investigado num inquérito do ano retrasado.


Folha de São Paulo

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