Lira busca oposição por acordo na reforma do IR e estados insistem em manter repasses
Enquanto isso, secretários estaduais ajustam proposta de reforma ampla por apoio de Guedes
Danielle Brant Fábio Pupo Marianna Holanda
Brasília
Depois de bloquear qualquer negociação entre o ministro Paulo Guedes (Economia) e a oposição, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), buscou os partidos de esquerda para tentar chegar a um acordo que viabilize o projeto que muda o Imposto de Renda.
A ideia é negociar um dos pontos defendidos pelas duas partes: a taxação de dividendos. Em evento da XP Investimentos na manhã desta terça-feira (24), Lira disse que o texto não seria votado nesta semana e informou ter mudado de estratégia com o objetivo de aprovar a proposta.
“Estamos conversando com quem tem interesse em aprovar dividendos no Brasil”, disse, acrescentando que também negocia com estados e municípios. “No Brasil, taxar dividendos talvez seja a coisa mais difícil do mundo. Não é uma discussão fácil.”
Inicialmente, os partidos de esquerda defendiam uma alíquota progressiva para taxação de dividendos. Com isso, empresas com lucro menor seriam menos tributadas. No entanto, algumas legendas passaram a concordar com a alíquota única de 20%.
“A ideia inicial era uma alíquota progressiva, mas cada um tem a sua própria proposta. A alíquota única simplifica e permite taxar dividendos. Por isso, o PDT está apoiando”, afirma o deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE).
Segundo ele, as discussões com o presidente da Câmara buscam, entre outras coisas, encontrar pontos em comum para equilibrar as perdas que estados e municípios calculam sofrer com o texto do relator Celso Sabino (PSDB-PA).
Até o momento, segundo parlamentares que acompanham as discussões, a perda estimada para os entes federados já teria recuado de R$ 16 bilhões para cerca de R$ 6 bilhões.
Os estados, por sua vez, ainda calculam uma perda de R$ 14 bilhões para eles e municípios, mas cerca de metade disso é visto como justificável por parte dos entes (porque se refere a perdas com a atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física).
No evento da XP, Lira sinalizou apoio à tentativa de reduzir a faixa de isenção para a taxação de dividendos —na proposta, contam com o benefício as que faturam até R$ 4,8 milhões por ano.
“Não há como você dizer que não há uma pejotização escondida no Brasil, que isso não é uma válvula de escape”, disse. Ele traçou paralelo entre o caso de um médico que fature R$ 400 mil por mês e que estaria isento da tributação de dividendos —parte do lucro distribuída a acionistas— e o de um assalariado que receba R$ 6 mil e precise pagar 27,5% de Imposto de Renda.
Benevides Filho afirma que a discussão caminha para reduzir essa isenção. “A gente pode diminuir esse valor para encontrar mais uma fonte de recursos e diminuir esse valor. Tem que trabalhar o texto”, afirmou o deputado. “Estamos tentando encontrar um denominador comum, que seja bom para melhorar a justiça fiscal brasileira.”
Líder do PSB na Câmara, o deputado Danilo Cabral (PE) afirmou que a pauta da reforma tributária avançou. “Nós temos questões importantes que estão sendo contempladas, como a mudança na tabela do Imposto de Renda, ampliando as faixas de isenção. A taxação de lucros e dividendos, contemplando inclusive uma proposta da bancada do próprio PSB, é uma bandeira histórica das esquerdas.”
Ele afirmou, porém, que há incertezas a serem esclarecidas sobre a possibilidade de perdas de recursos por estados e municípios em razão das alterações na tabela do Imposto de Renda e da pessoa jurídica. “É importante que essas dúvidas sejam dirimidas para que a gente avance num consenso, se é que é possível, em torno da proposta que foi apresentada.”
Desde a semana passada, a equipe econômica tem afirmado que a reforma no Imposto de Renda depende de um acerto na área política. O time de Guedes aguarda a viabilidade de um texto enquanto o Palácio do Planalto participa das negociações.
Conforme mostrou a Folha, Guedes chegou a ensaiar retirar o projeto em meio às preocupações com o futuro do texto. Mas o movimento causou a reação de Lira, que quer ver a proposta aprovada.
Lira, no entanto, foi avisado por auxiliares palacianos que, se o projeto mudar mais, o governo não terá como apoiá-lo e que o texto poderia ser de fato retirado do Congresso.
No final de semana, interlocutores do Planalto discutiram a possibilidade de textos alternativos, mas a conclusão é de que o relatório de Sabino já está no limite.
Se mexer mais, por meio de PECs para estados e municípios, a reforma ficará onerosa demais para a União.
Nesta terça-feira (24), Guedes recebeu representantes do Comsefaz (comitê de secretários estaduais de Fazenda). Eles pedem que a reforma no Imposto de Renda não retire recursos do FPE (Fundo de Participação dos Estados) —consequência decorrente do mais recente substitutivo em discussão.
\”Manifestamos que nossa preocupação com a reforma do Imposto de Renda é a manutenção do FPE, tem que haver a compensação. Qual o mecanismo [para atingir essa meta] é indiferente\”, afirmou Rafael Fonteles, presidente do Comsefaz.
Para os secretários estaduais de Fazenda, no entanto, o grande objetivo é fazer uma reforma tributária mais abrangente. Hoje, o caminho mais viável para essa estratégia é a PEC 110 (que tramita no Senado e funde tributos federais, o estadual ICMS e o municipal ISS).
Eles mudaram a proposta de modo que não haja mais um fundo abastecido pela União —o que era a principal crítica de Guedes nas discussões. O IVA Dual teria agora uma parte dos recursos destinados a estados e municípios e outra parte ao governo federal, eliminando também a necessidade de um conselho tripartite para gerir os recursos.
\”Eu diria que a probabilidade de um acordo nunca foi tão alta quanto agora\”, afirma Décio Padilha, secretário de Fazenda de Pernambuco que participou das reuniões desta terça. A proposta também foi alinhada no fim da tarde com o senador Roberto Rocha (PSDB-MA), que deve apresentar um relatório sobre a reforma ampla ainda nesta semana.
Guedes rechaça a reforma ampla, mas sinalizou na semana passada que pode entregar uma proposta em 30 ou 60 dias desde que não envolva mais repasses da União para estados e prefeitos e outras condições.
As discussões prosseguem enquanto, na iniciativa privada, mais de 60 entidades se posicionam de forma contrária à pressa observada na tramitação do projeto de Imposto de Renda. Entre elas, estão a Abdib (Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base), Cebrasse (Central Brasileira do Setor de Serviços), CNS (Confederação Nacional de Serviços), Sindusfarma (Sindicato da Indústria de Produtos Farmacêuticos) e SRB (Sociedade Rural Brasileira).
Elas reclamam de falta de transparência, de interdição do debate e de aumento da carga tributária. \”É inoportuna a apreciação de forma açodada, sem debates nas comissões permanentes, em que especialistas poderiam expor seu entendimento, e com votação em um plenário virtual, de um projeto que altera profundamente a bem-sucedida estrutura de imposto de renda brasileiro\”, afirmam em manifesto.
Fonte: Folha de São Paulo