Minirreforma precariza trabalho, dizem analistas; restaurantes preveem contratações

Centrais sindicais tentarão alterar o texto no Senado, e advogada afirma que formatos criados se sobrepõem
Fernanda Brigatti
São Paulo
A minirreforma trabalhista aprovada na Câmara nesta quinta (12) divide especialistas. Há os que veem a proposta como uma precarização das condições de trabalho, os que acham ainda cedo para fechar um parecer e os que comemoram as possibilidades de contratações mais baratas.
Originalmente, a medida provisória apenas recriava o BEm (benefício emergencial), que permite a suspensão de contrato ou a redução de jornada e salário com o pagamento de uma contrapartida calculada sobre o valor do seguro-desemprego.
Mas ganhou três programas de emprego. Um similar à carteira verde e amarela, um com jornada de até 22 horas semanais e, por último, uma espécie de voluntariado remunerado no serviço público. Os dois últimos são contratações sem registro –ou seja, sem direitos previdenciários ou trabalhistas.
No setor de restaurantes, a expectativa é a de que o programa que permite o contrato fora da legislação trabalhista viabilize a geração de postos de trabalho na retomada das atividades.
No Requip (Regime de Qualificação Profissional), como o programa foi batizado, a jornada será limitada a 22 horas semanais e será dividida com algum curso de qualificação. Não há carteira assinada, nem os demais direitos previstos na legislação trabalhista, como recolhimentos ao INSS, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) ou seguro-desemprego.
“No geral, achamos positivo o incentivo ao primeiro emprego. Com a volta das atividades, as recontratações vão acabar avançando, mas o setor ainda está muito endividado”, diz Fernando Blower, diretor-executivo da ANR (Associação Nacional de Restaurantes) e presidente do sindicato do setor no Rio.
A vinculação do trabalho com a atividade de aprendizagem ainda será detalhadamente regulada pelo Ministério do Trabalho e da Previdência, segundo previsto no texto aprovado na Câmara. Na avaliação do diretor da ANR, os setores passarão por um período de adaptação até que consigam aplicar as regras. A associação deve intermediar a busca por formação.
“Informalmente, hoje, o treinamento já é uma atribuição do setor de restaurantes. Somos o primeiro emprego de muita gente e a qualificação faz parte da rotina das empresas”, afirma.
Para o presidente da CNC (Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo), José Roberto Tadros, é cedo para dizer se as medidas terão efeito sobre novos empregos. “Estamos torcendo de maneira fervorosa, mas somente com o passar dos dias é que vamos saber”, afirmou.
A CNC integra o sistema Sesc e Senac, os serviços sociais e de aprendizagem incluídos no projeto de lei de conversão da MP. As empresas que fizerem contratações por meio dos novos programas poderão abater valores que seriam recolhidos ao sistema S.
Tadros diz que o momento é imprevisível e emergencial e que o governo precisava buscar alternativas para o grande número de pessoas desocupadas. “O sistema S já está há muito tempo resgatando essas pessoas, seja pela preparação para o mercado, seja por programas como o Mesa Brasil [programa que recolhe sobras que seriam descartadas e distribui]”, diz.
Para o economista e professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV (Fundação Getulio Vargas) Nelson Marconi, os três programas incluídos na proposta fragilizam o mercado de trabalho. “É importante criar condições para novas ocupações, mas aproveitaram o texto para avançar ainda mais sobre a legislação.”
Para ele, a proposta traz um recado. “No fundo, a mensagem é a de que a economia está ruim e vamos criar oportunidades, mas você tem que abrir mão de seus direitos trabalhistas”.
O professor de direito do trabalho da USP (Universidade de São Paulo) Antônio de Freitas Jr. diz que o projeto associa duas agendas: uma emergencial e outra que poderia estar sendo discutida ponto a ponto. A estratégia, na avaliação dele, se aproveita de uma tolerância maior a questões urgentes ligadas às crises econômica e sanitária.
Para ele, o primeiro problema com o texto do projeto é a reafirmação de que o barateamento dos contratos de trabalho torna os empregos mais atraentes. “Só que empregar é sempre oneroso. O empregado só o faz quando precisa, a partir de uma necessidade persistente. Ninguém contrata porque está barato”, afirma. “Um aspecto preocupante é que o conjunto da proposta orienta para uma expansão da precarização.”
O presidente da CSB (Central dos Sindicatos do Brasil), Antonio Neto, diz que as centrais querem garantir que o projeto seja modificado no Senado. O Requip, na avaliação dos sindicatos, entra em conflito com o Jovem Aprendiz, colocando a sobrevivência do programa em risco. Nesse modelo de contrato, jovens de 17 a 24 anos são contratados formalmente, mas a empresa paga uma alíquota menor de FGTS.
Mesmo quem não vê a proposta como precarizante defende que faltou discussão, o que torna a proposta suscetível à judicialização ou dúvidas que inviabilizam a aplicação na prática.
Para Cássia Pizzotti, sócia trabalhista do Demarest, a proposta cria novos tipos de contrato, que se sobrepõem. “Por melhores que sejam as intenções, não é saudável fazer esse tipo de mudança correndo. No papel, é tudo muito bonito, mas, na prática, parece açodado.”
O advogado Jorge Matsumoto, do Bichara Advogados, considera natural que as mudanças sejam vistas com dúvidas e gerem discussões. “Nosso cenário é extremamente ‘celetizado’ e qualquer forma de contrato que saia disso é vista como precarização”, diz.
Para ele, porém, as exigências feitas ao trabalhador contratado por meio do Requip, como a jornada reduzida, também serão diferentes do que é esperado de um funcionário com carteira assinada.
“É uma mudança temporária. Não é um programa perfeito nem isento de polêmica, mas é uma medida emergencial importante para reativar a economia e capacitar os que estão fora da população economicamente ativa.”


Fonte: Folha de São Paulo

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