Negociação sobre precatórios pode afetar interesses de empresas, bancos e fundos de investimento

Maior dívida da União com empresas que teria de ser quitada em 2022 é com a Petrobras, em um total de R$ 2,6 bilhões; fundos de investimento também estão entre os maiores credores

Idiana Tomazelli e Adriana Fernandes, O Estado de S.Paulo

22 de setembro de 2021 | 05h00

BRASÍLIA – Um eventual adiamento no pagamento dos precatórios, como são chamadas as dívidas judiciais da União, pode afetar os interesses não só de Estados, mas também de grandes empresas como Petrobras, bancos públicos e privados e fundos de investimento que adquirem os direitos de cobrar esses débitos.

O Estadão/Broadcast teve acesso à lista dos 51 credores dos chamados “superprecatórios”, cuja fatura a ser paga pela União em 2022 supera individualmente os R$ 66 milhões.

Sem considerar os precatórios de Estados, a maior dívida da União para 2022 é com a Petrobras: uma fatura de R$ 2,6 bilhões. A empresa ainda é credora de outra requisição de valor menor: R$ 196,6 milhões. Ambas são referentes a ações que correram na Justiça Federal.

Há ainda cinco fundos de investimento que detêm os direitos desses recebíveis, três deles entre os 15 maiores credores privados da lista. Nem todos estão identificados pelo nome, apenas pela modalidade da aplicação.

Uma nota técnica do Ministério da Economia aponta que ao menos R$ 906 milhões em dívidas judiciais dos R$ 89 bilhões devidos em 2022 estão hoje nas mãos de fundos de investimento. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, o valor pode ser ainda maior porque algumas operações de cessão dos créditos estão registradas apenas no âmbito dos processos judiciais, sem um “controle centralizado” pelos órgãos.

Ao defender uma regra para disciplinar o pagamento dos precatórios, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tem citado o que classifica como uma “indústria de precatórios”, sem maiores detalhes. Já representantes do mercado financeiro têm, em sua maioria, criticado as propostas que resultam no adiamento ou parcelamento dessas dívidas e chamam qualquer iniciativa nesse sentido de “calote”.

Calote
Nas últimas semanas, integrantes do mercado financeiro passaram a admitir e defender a possibilidade de retirar o pagamento dos precatórios do teto de gastos – medida que, em investidas anteriores (para impulsionar obras, por exemplo), enfrentou resistências e provocou pânico no mercado. Segundo apurou o Estadão/Broadcast, agentes do mercado têm atuado junto com entidades como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) pela retirada dessas despesas do teto.

O economista-chefe da Confederação Nacional de Comércio (CNC), Carlos Thadeu de Freitas, que já foi diretor do Banco Central, afirma que uma reprogramação nos pagamentos de precatórios não seria “calote”. Segundo ele, há “muito interesse em jogo no mercado” com a negociação de “tokens”, um tipo de ativo digital que tem lastro em um recebível de precatório. Se o fluxo de pagamento da dívida judicial muda, a rentabilidade desses ativos fica comprometida.

O presidente da Associação Nacional de Fomento Comercial (Anfac), Luiz Lemos Leite, diz que alguns poucos associados da entidade operam com fundos que adquirem os direitos creditórios de precatórios, mas admite que essa parcela está “muito receosa” com o impasse. “Eles negociaram o crédito com um deságio (desconto em relação ao valor que será recebido) na expectativa de receberem no prazo. Então existe uma certa preocupação”, afirma. Segundo ele, qualquer mudança na programação pode comprometer o fluxo desses fundos.

No mercado, há certo desconforto com a tentativa de Guedes de culpar os fundos pela explosão no valor dos precatórios. Uma fonte ouvida pela reportagem destaca que o aumento na despesa, cuja previsão para 2022 é quase o dobro do que será pago neste ano, decorre de vários fatores, um deles citado pelo próprio secretário especial de Tesouro e Orçamento, Bruno Funchal, em uma audiência na Câmara dos Deputados.

“O tempo médio do ajuizamento da ação até o precatório, em geral, levava de 12 a 13 anos, e agora são sete anos. Se caiu pela metade, a gente praticamente dobrou o volume de precatórios que entram no Orçamento”, disse Funchal na ocasião.

A reportagem procurou os credores dos 15 maiores precatórios devidos pela União a empresas ou fundos em 2022. A Petrobras informou que, caso haja parcelamento ou adiamento de precatórios, a empresa \”avaliará as novas condições legais tempestivamente”. O Bradesco disse que não comentaria o assunto. Bemol, Senai, Sesi e Sesc não responderam até a publicação deste texto. Os demais credores citados não puderam ser localizados.


Fonte: Estadão

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