Como ficam as pautas econômicas de interesse do governo com o Congresso sob novo comando
Deputados e senadores dizem que corte de gastos precisa ser encabeçado pelo Planalto e que Congresso não será ‘mais realista que o rei’; agenda econômica precisa superar impasse sobre emendas para avançar
BRASÍLIA – Com o Congresso Nacional sob novo comando, após as eleições de Davi Alcolumbre (União-AP) para a presidência do Senado e de Hugo Motta (Republicanos-PB) para a Câmara, neste sábado, 1°, o consenso entre deputados e senadores é o de que há pouco espaço para a votação de projetos fiscais de autoria das duas Casas, em meio a um impasse sobre as emendas parlamentares.
Iniciativas para melhorar a confiança nas contas públicas dependerão exclusivamente do Poder Executivo, que ainda não dá sinais de que vai enviar novas propostas após a aprovação do pacote do Ministério da Fazenda em dezembro do ano passado. A fala do presidenteLuiz Inácio Lula da Silva, na última semana,de que, se depender dele, não tem ajuste fiscal, foi lembrada por parlamentares como uma sinalização ruim por parte do governo.
O entendimento é que cortar gastos é uma pauta impopular, e o Congresso não será “mais realista do que o rei” nesse assunto. Para o senador Marcos Rogério (PL-RO), da oposição, o governo está se perdendo na pauta econômica, e não pode culpar o Congresso, que tem sido “generoso”.
“O problema do governo não é o parlamento. Este parlamento tem sido até muito generoso com o governo. A oposição tem feito o papel de denunciar, de apontar os erros, de indicar caminhos. Tem dado contribuição, mas o problema do governo é o próprio governo“, afirmou.
A agenda mais urgente do Congresso na economia passa pela aprovação do Orçamento de 2025, que deveria ter sido votado no final de 2024. Além disso, consta na lista de prioridades a conclusão do segundo projeto de regulamentação da reforma tributária, que precisa ser votado no Senado, e a apreciação da proposta de reforma do Imposto de Renda, com a isenção até o limite de R$ 5 mil.
Em conversa com jornalistas no sábado, o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, disse também que o governo vai apresentar nesta semana um projeto para estimular o crescimento de microempreendedores e micro e pequenas empresas.
Segundo o líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues (PT-AP), a agenda econômica é prioridade, mas o governo, antes de pensar em novas medidas de ajuste fiscal, quer esperar para ver os efeitos do pacote aprovado em dezembro. Ele afirmou que organizou em sua casa um encontro entre o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e Davi Alcolumbre, para falar das prioridades da equipe econômica.
“A nossa agenda no Congresso é a agenda econômica. O ministro Haddad tem um tripé que conduz a política econômica, que passa pela responsabilidade fiscal, a melhoria do ambiente de negócios e a agenda de transição ecológica. Vamos continuar com essas pautas“, afirmou Rodrigues.
Ele diz que já há um entendimento no governo de que o anúncio do pacote fiscal atrelado à isenção do Imposto de Renda até R$ 5 mil foi um equívoco e que gerou ruídos desnecessários com o mercado financeiro. Por isso, o governo entende que essas medidas ainda podem ser mais bem avaliadas pelos investidores, com reflexos sobre o dólar e a curva de juros.
“Vamos medir primeiro o impacto do ajuste do ano passado, que acho bem razoável. Mas não titubearemos com a questão fiscal. Tivemos um desencontro que foi anunciar duas coisas distintas ao mesmo tempo. Naquele momento, era para tratar apenas das medidas fiscais. Se for necessário mais medidas, a questão fiscal é prioridade”, disse.
Na Câmara, o líder do governo, José Guimaraes (PT-CE), afirmou que a prioridade é concluir a votação do Orçamento até o mês de março. Além disso, citou a votação da proposta que altera a aposentadoria dos militares, além da reforma do Imposto de Renda.
“A pauta econômica agora é concluir aquilo que foi anunciado ano passado pelo governo. E iniciarmos este ano o debate da reforma da renda e a questão da aposentadoria dos militares. Sobretudo a votação da Lei de Orçamento Anual (LOA). Para nós, do governo, a prioridade é votar a LOA até março”, afirmou.
O senador Omar Aziz (PSD-AM) afirma que o governo e o Congresso já aprovaram uma pauta extensa na economia, como a reforma tributária e o novo arcabouço fiscal. Novas medidas para cortar gastos dependerão da iniciativa do governo, segundo ele. Mas antes, será preciso superar o entrave das emendas.
“Depende do Executivo tomar à frente (para novas medidas fiscais). Mas enquanto não definir a questão orçamental (emendas), dificilmente as Casas vão se movimentar em relação a qualquer projeto na economia, como a votação do próprio Orçamento de 2025?, disse.
Emendas no meio do caminho
Para voltar a tramitar no Congresso, a pauta econômica terá que superar um impasse: as emendas parlamentares, que estão na mira do Supremo Tribunal Federal (STF) devido à falta de transparência.
As lideranças do governo sabem que será preciso superar a questão. Para Guimarães, a eleição de Motta e Alcolumbre abrem uma nova página de diálogo entre os Poderes.
A ideia é fazermos uma concertação entre os novos presidentes (Motta e Alcolumbre), o Supremo, o Executivo (sobre as emendas). Conversei com o presidente Motta e eu estou muito confiante que faremos uma concertação que preserve a transparência, a lisura e tudo aquilo que foi colocado. Acho que nós não temos que temer e nem deixar de fazer nada que garanta isso”, afirmou Guimarães.
Em agosto, o ministro Flávio Dino, do STF, suspendeu o pagamento das emendas parlamentares por falta de transparência na autoria e na destinação dos recursos feita por deputados e senadores. No mês passado,ele liberou o pagamento, mas estabeleceu exigências de transparência, o que gerou insatisfação na cúpula do Legislativo. A decisão foi chancelada pela maioria da Corte. No dia 24 de dezembro, a Polícia Federal (PF) abriu uma investigação após ordem de Dino para apurar supostas irregularidades na liberação de emendas.
Segundo o senador Efraim Filho (União Brasil-PB), líder do partido no Senado, a eleição de Motta e Alcolumbre criam uma nova janela de negociação, mas ele adianta que o Congresso não vai aceitar que as emendas voltem a vigorar como eram há dez anos, quando o Executivo se via empoderado pela liberação de recursos.
“Acredito que Hugo e Davi juntos têm a condição de fazer uma retomada desse diálogo com o Supremo. Agora, não podemos ver nessa discussão um caminho para a retomada do controle orçamentário por parte do governo. Um cenário que toda a imprensa criticava, chamando de toma-lá-dá-cá, de balcão de negócios, de que os governos utilizavam a liberação do Orçamento para poder aprovar projetos”, afirmou.
Para o vice-líder do governo na Câmara, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a presidência de Alcolumbre, no Senado, tem a vantagem de trazer mais previsibilidade, já que ele já presidiu a Casa. Na Câmara, ele aponta para a juventude de Motta, que tem 35 anos, faz com que ele queira construir uma marca própria.
“Na Senado, Alcolumbre já tem um histórico de como preside a Casa, o que dá mais previsibilidade. Na Câmara, acredito que Motta possa estimular mais o debate nas comissões para discutir agendas econômicas. Ele tem um perfil de diálogo, o que pode ser uma vantagem para um mandato mais formulador em relação à presidência de Arthur Lira”, disse.
Danilo Forte (União-CE) também afirma que é preciso se chegar a um entendimento sobre as emendas, antes que a pauta volte a andar. Ele reforça que o Executivo terá que liderar essa agenda, mas faz um mea culpa sobre projetos do próprio Congresso que representam retrocesso na economia, como os jabutis do projeto das eólicas offshore, que vão encarecer a conta de luz e foram vetados pelo presidente Lula. “Toda a medida de ajuste fiscal é uma medida antipática. Então, a responsabilidade tem que ser de iniciativa do próprio Executivo. Mas a sociedade também precisa cobrar o Congresso, que tem aumentado subsídios na conta de luz. Sou contra a derrubada dos vetos do presidente no projeto das eólicas offshore”, disse.
Fonte: Estadão