Tarifaço’ do Trump: o que dizem grandes bancos sobre os impactos da taxação para o comércio global
Economistas projetam aumento do desemprego e das taxas de juros no México e no Canadá, para conter avanço dos índices de preços; resposta da China à guerra comercial deve ser ‘contida’
A taxação de produtos importados de Canadá, China e México, estabelecida pelo presidente Donald Trump no fim de semana, caso se concretize, pode derrubar o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) global em 2025 e elevar a inflação e os juros, sobretudo nos Estados Unidos. As tarifas estavam previstas para começar a valer nesta terça-feira, 4, mas Trump aceitou prorrogar por um mês a tributação após conversas com a presidente Claudia Sheinbaum, do México, e com o primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá.
Segundo especialistas, as medidas têm potencial para provocar um impacto ainda mais severo nas economias de México e Canadá. A expectativa é a de que as taxas resultem em maior desemprego e inflação para canadenses e mexicanos. Segundo a consultoria britânica Oxford Economics, a taxa de desemprego no Canadá deve subir de 6,7% para 7,8% ao longo do ano. Já no México, o impacto será significativo devido à dependência do comércio com os EUA.
“O PIB permanecerá abaixo de nossa linha de base, mas a economia evitará uma recessão. O peso (mexicano) se depreciará em relação ao dólar, intensificando os efeitos inflacionários das tarifas”, afirma a consultoria.
No entanto, a Oxford Economics suspeita que as medidas anunciadas não permanecerão “totalmente em vigor” por um longo período. “Isenções serão feitas, inclusive para materiais de construção e equipamentos de transporte”, cita a consultoria, ao projetar corte de 0,7 ponto porcentual do crescimento do PIB dos EUA — que também serão afetados pelas tarifas — neste ano e aumento do desemprego, de 4,1% para 4,5%.
Para a Capital Economics, mantendo o cenário atual, a inflação nos EUA deverá saltar em ritmo mais rápido do que imaginava como resultado das tarifas impostas no fim de semana e de futuras medidas semelhantes, como as ameças de Trump em relação à União Europeia.
Nesse ambiente, as possibilidades de o Federal Reserve (Fed) retomar cortes de juros em algum momento dos próximos 12 a 18 meses praticamente acabaram. Na semana passada, o Banco Central dos EUA deixou seus juros básicos inalterados, após reduzi-los nas três reuniões anteriores.
Em análise publicada domingo, 2, a Capital descreve a iniciativa tarifária de Trump como “apenas a primeira tacada no que poderá se tornar uma guerra comercial global muito destrutiva”.
Como as exportações de México e Canadá respondem por cerca de 20% de seu PIB, a consultoria prevê que as tarifas poderão levar ambas as economias à recessão ainda este ano.
Implicações globais
O Morgan Stanley prevê que, com a nova política tarifária dos EUA, “uma recessão no México se torna o cenário base”, com a inflação nos EUA podendo aumentar entre 0,3 e 0,6 pontos porcentuais nos próximos meses. O banco pontua também que o crescimento do PIB americano será reduzido entre 0,7 e 1,1 pontos porcentuais, o que teria implicações econômicas globais.
O impacto dessas tarifas é visto pela instituição como “severo”, tanto para os EUA quanto para o México. “As perdas na produção do México poderiam chegar a 2,0 e 2,5 pontos porcentuais do PIB”, se as tarifas forem duradouras, destaca o Morgan. Além disso, o banco afirma que a inflação mexicana poderia aumentar entre 0,4 e 0,6 ponto porcentual, dependendo das respostas políticas locais. Com o impacto negativo na economia, as necessidades fiscais do país também aumentariam, o que, segundo o Morgan Stanley, poderia resultar em um risco de downgrade da sua nota de crédito pelas agências de monitoramento de risco.
A análise do Morgan Stanley cita, ainda, que o mercado também pode ser afetado, indicando que as ações mexicanas enfrentam “um risco-retorno altamente assimétrico”, dado o cenário de tarifas elevadas. A desvalorização do peso, que pode cair cerca de 10% frente ao dólar, somada à intervenção do Banxico, seriam reflexos dessa pressão econômica, destaca a instituição.
O banco também sugere que uma possível retaliação do México contra as tarifas americanas poderia intensificar ainda mais a inflação e forçar o banco central mexicano a manter uma política monetária restritiva por um período prolongado. Se esse cenário se concretizar, as repercussões seriam graves tanto para a economia mexicana quanto para as relações comerciais entre os dois países, com reflexos diretos no comércio global e na confiança do mercado, segundo o Morgan.
Conflito em ‘expansão’
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O JPMorgan Chase avalia que as tarifas impostas por Donald Trump a países parceiros comerciais devem ter impacto nos preços nos Estados Unidos, “com um efeito no índice de preços ao consumidor provavelmente igual ou superior a 1%”. O banco também destaca que o Fed precisará “reforçar a cautela” para ter tempo de “avaliar o impacto desse choque no crescimento e na inflação” no país.
Para o JPMorgan, uma guerra comercial com os principais parceiros econômicos dos EUA já teve início, “e todos os indícios são de que essas ações representam o início de um conflito em expansão”. “As estimativas sobre o impacto negativo no crescimento da economia dos EUA são geralmente menores, com quedas no PIB variando de alguns décimos a um ponto porcentual completo”, aponta o JPMorgan.
Segundo a instituição, os aumentos tarifários americanos devem pressionar a política monetária do Canadá e do México, dois dos principais alvos das medidas de Trump, forçando uma redução nas taxas de juros nesses dois países, “mesmo com a inflação em alta”. O banco alerta que um aumento sustentado das tarifas em 25% será suficiente para empurrar as economias mexicana e canadense para uma recessão.
“As incertezas quanto ao impacto, retaliações e possíveis reversões são abundantes, mas o anúncio tarifário dá início a uma mudança drástica na posição dos EUA em relação à ordem comercial global”, avalia o JPMorgan. A instituição ressalta ainda que a maior preocupação com os anúncios de Trump é que a política tarifária, aplicada “para alcançar objetivos não econômicos”, pode se expandir e levar os Estados Unidos a uma postura “muito menos favorável aos negócios”.
Resposta da China
No caso da China, a maior probabilidade é de uma resposta contida para evitar uma guerra comercial “olho por olho”, avalia o Commerzbank, em nota. Segundo o banco alemão, o governo chinês precisa focar urgentemente nos problemas econômicos domésticos.
O Commerzbank estima que as tarifas adicionais de 10% sobre produtos chineses reduzirá as exportações para os EUA em cerca de 20% e diminuirá o PIB da China em 0,2%, contando com possível diversificação de rotas pelo Sudeste Asiático e pelo México.
“Pode parecer pouco. Contudo, se os EUA começarem a elevar as tarifas em países parceiros para prevenir a diversificação de rota ou sobre bens chineses, então o impacto econômico na China será muito maior”, alerta.
O banco alemão observa que o Congresso dos EUA também mira restrições sobre o comércio com a China, após alguns membros protocolarem um projeto de lei para retirar o status da China de país com “relações comerciais normais permanentes”. O projeto prevê a imposição de 100% de tarifas sobre bens considerados estratégicos e 35% de tarifas mínimas sobre todos os outros bens produzidos na China.
O governo americano ainda investiga se a China ampliou as importações que faz dos EUA e pode exigir que o país aumente o número de bens americanos importados, como tática de negociação. “No entanto, pedir que a China aumente importações pode ser difícil”, pondera o Commerzbank. O banco cita o desafio da desaceleração econômica chinesa e a diversificação de fontes de importação para manter a segurança alimentícia e energética do país, o que pode desincentivar autoridades chinesas a concordar em voltar a ampliar importações dos EUA.
Possível taxação dos produtos brasileiros
Na avaliação do Bradesco, as medidas demonstram uma possível mudança de paradigma na política comercial, com a intenção de Trump de reposicionar o país como polo manufatureiro e de segurança nacional.
“Essa estratégia, que envolve retaliações imediatas e um reposicionamento gradual dos fluxos comerciais globais, pode desencadear um ambiente estagflacionário e transformar o cenário econômico internacional”, alerta o banco.
A tensão entre as medidas comerciais de Trump e a postura cautelosa do Fed pode gerar um cenário complexo, com fricções nas relações entre ambas as partes trazendo ainda mais volatilidade, segundo o Bradesco. “O Fed tem adotado uma postura de ‘wait and see’ (esperar para ver), diz. “Ele deve seguir com seu viés de corte de juros, mas o cenário ainda é bastante volátil, com o Fed podendo permanecer inerte por um período prolongado”, avalia.
Se estendidas e adotadas universalmente, as medidas americanas poderão redesenhar as cadeias globais de valor e o fluxo do comércio internacional, considera o banco, que trabalha com dois cenários para a economia brasileira com as investidas de Trump.
No primeiro cenário, uma eventual taxação de 10% sobre todos os produtos exportados pelo Brasil geraria um impacto negativo estimado de US$ 2 bilhões sobre a balança comercial doméstica e uma depreciação cambial de cerca de 4%. No segundo, mais agressivo, considera uma imposição tarifária de 25%, com efeito negativo estimado de US$ 5,5 bilhões sobre as exportações brasileiras. “Adicionamos que outros canais, para além das contas externas, podem amplificar ou diminuir os efeitos iniciais. Por exemplo, uma tarifa unilateral tenderia a amplificar os efeitos; uma tarifa universal, com quase todos os demais países, poderia minimizá-los”, analisa. “O Brasil não possui déficit comercial relevante com os EUA, mas taxa mais os produtos americanos do que é taxado. Isso poderia levar os EUA a igualarem as tarifas médias de produtos brasileiros como reciprocidade”, justifica.
Fonte: Estadão